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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A República

A República é a obra em que, como o título induz. Platão busca falar da vida da cidade, a busca da cidade justa. O que seria a cidade perfeitamente justa para Platão? Aquela em que reinaria a justiça. Uma cidade nos moldes da imaginada por Platão teria seus setores sociais em harmonia, seria um local em que a justiça guiaria as ações governamentais e sociais. Nela, todos os cidadãos conseguiriam o bem-estar, uma vez que haveria uma adequação correta entre cidade justa e cidadãos justos. Essa cidade seria dividida em três classes sociais bem definidas: a dos trabalhadores manuais, responsáveis pela produção agrícola e artesanal da cidade; a dos guerreiros, responsáveis pela ordem interna e pela proteção da cidade contra invasores; e a dos sábios, governantes que formariam o conselho da cidade e de onde se poderia tirar o governante maior, temporário, o rei - filósofo.

Platão aperfeiçoou sua psicologia de modo que a vida ou  alma se tornam um todo estruturado. Desenvolver-se como ser humano, então, seria mais um trabalho contra o corpo, mas um trabalho no sentido de harmonizar as instâncias da alma que, enfim, são vistas como todas as instâncias da vida. O papel do intelecto seria o de governo da própria vida, o papel do espírito seria o de energizar as atividades vitais e, enfim, os apetites precisariam ser treinados para cumprir o que é reto e nobre.

Assim, nessa teoria da alma de A República, os indivíduos cuja senhoria se exercesse pela razão poderiam ser filósofos. Esses indivíduos teriam tudo o que é necessário para estar no conselho dos governantes e mesmo chegar a serem reis. Os indivíduos cujo espírito viesse a ser o seu motor principal seriam distintos enquanto homens de ação e, uma vez educados, seriam os guardiões e/ou os defensores armados da cidade. Por fim, os que caíssem sob o domínio dos apetites poderiam, no seu melhor, ser amantes do espetáculo e da beleza sensual sem ter muito conhecimento da noção mais ampla do belo; tais pessoas estariam destinadas a trabalhar com as mãos no artesanato e afins, servindo na cidade para o setor social dos operários e artesãos.

Quando continuamos na companhia de Platão e adentramos A República, percebemos que ele, como filósofo político, metafísico e epistemólogo, ainda é, sem dúvida, antes de tudo, filósofo da educação. Sua educação não se dissocia de as filosofia, pois ambas estão em função de gerar aqueles que, estando na elite da cidade, não iriam divergir em questões importantes, e assim não colocariam em risco nem a vida justa nem a vida social da idade justa.

O rei-filósofo, como autêntico filósofo, como Platão o vislumbra, não pode ter uma visão que não das coisas reais, sabendo distingui-las da ilusão e, mais que isso, sabendo como outros não conseguiriam distinguir  a causa do engano. O rei não pode se deixar iludir por controvérsias geradas por sistemas doutrinários errados, alguns deles vindos dos pré-socráticos e outros vindos dos sofistas – assim pensa Platão, em A República. O rei tem de ser, antes de tudo, rei-filósofo – no sentido forte da palavra “filósofo”. Com isso em mente, podemos compreender a Teoria da Linha Dividida.

Aquele que não ultrapassa o âmbito do opinativo – crenças, ilusões e conjecturas – sempre estará sujeito a cair em disputa com outros a respeito do que é certo e do que é errado, do que é verdadeiro e do que é falso.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

O Mito da Caverna




Imaginemos uma caverna separada do mundo externo por um alto muro, cuja entrada permite a passagem da luz exterior. Desde seu nascimento, geração após geração, seres humanos ali vivem acorrentados, sem poder mover a cabeça para a entrada, nem locomover-se, forçados a olhar apenas a parede do fundo, e sem nunca terem visto o mundo exterior nem a luz do Sol.

Acima do muro, uma réstia de luz exterior ilumina o espaço habitado pelos prisioneiros, fazendo com que as coisas que se passam no mundo exterior sejam projetadas como sombras nas paredes do fundo da caverna. Por trás do muro, pessoas passam conversando e carregando nos ombros figuras de homens, mulheres, animais cujas sombras são projetadas na parede da caverna. Os prisioneiros julgam que essas sombras são as próprias coisas externas, e que os artefatos projetados são os seres vivos que se movem e falam. Um dos prisioneiros, tomado pela curiosidade, decide fugir da caverna. Fabrica um instrumento com o qual quebra os grilhões e escala o muro. Sai da caverna, e no primeiro instante fica totalmente cego pela luminosidade do Sol, com a qual seus olhos não estão acostumados; pouco a pouco, habitua-se à luz e começa ver o mundo. Encanta-se, deslumbra-se, tem a felicidade de, finalmente, ver as próprias coisas, descobrindo que, em sua prisão, vira apenas sombras. Deseja ficar longe da caverna e só voltará a ela se for obrigado, para contar o que viu e libertar os demais. Assim como a subida foi penosa, porque o caminho era íngreme e a luz ofuscante, também o retorno será penoso, pois será preciso habituar-se novamente às trevas, o que é muito mais difícil do que habituar-se à luz. De volta á caverna, o prisioneiro será desajeitado, não saberá mover-se nem falar de modo compreensível para os outros, não será acreditado por eles e correrá o risco de ser morto pelos que jamais abandonaram a caverna.

A caverna, diz Platão, é o mundo sensível onde vivemos. A réstia de luz que projeta as sombras na parede é um reflexo da luz verdadeira (as idéias) sobre o mundo sensível. Somos os prisioneiros. As sombras são as coisas sensíveis que tomamos pelas verdadeiras. Os grilhões são nossos preconceitos, nossa confiança em nossos sentidos e opiniões. O instrumento que quebra os grilhões e faz a escalada do muro é a dialética. O prisioneiro curioso que escapa é o filósofo. A luz que ele vê é a luz plena do Ser, isto é, o Bem, que ilumina o mundo inteligível como o Sol ilumina o mundo sensível. O retorno à caverna é o diálogo filosófico. Os anos despendidos na criação do instrumento para sair da caverna são o esforço da alma, descrito na Carta Sétima, para produzir a "faísca" do conhecimento verdadeiro pela "fricção" dos modos de conhecimento. Conhecer é um ato de libertação e de iluminação.

O Mito da Caverna apresenta a dialética como movimento ascendente de libertação do nosso olhar que nos libera da cegueira para vermos a luz das idéias. Mas descreve também o retorno do prisioneiro para ensinar aos que permaneceram na caverna como sair dela. Há, assim, dois movimentos: o de ascensão (a dialética ascendente), que vai da imagem à crença ou opinião, desta para a matemática e desta para a intuição intelectual e à ciência; e o de descensão (a dialética descendente), que consiste em praticar com outros o trabalho para subir até a essência e a idéia. Aquele que contemplou as idéias no mundo inteligível desce aos que ainda não as contemplaram para ensinar-lhes o caminho. Por isso, desde Mênon, Platão dissera que não é possível ensinar o que são as coisas, mas apenas ensinar a procurá-las.

Os olhos foram feitos para ver; a alma, para conhecer.

Os primeiros estão destinados à luz solar; a segunda, à fulguração da idéia. A dialética é a técnica liberadora dos olhos do espírito.

O relato da subida e da descida expõe a paidéia como dupla violência necessária: a ascensão é difícil, dolorosa, quase insuportável; o retorno à caverna, uma imposição terrível à alma libertada, agora forçada a abandonar a luz e a felicidade. A dialética, como toda a técnica, é uma atividade exercida contra uma passividade, um esforço (pónos) para concretizar seu fim forçando um ser a realizar sua própria natureza.

No Mito, a dialética faz a alma ver sua própria essência (eîdos) - conhecer - vendo as essências (idéia) - o objeto do conhecimento -, descobrindo seu parentesco com elas. 

A violência é libertadora porque desliga a alma do corpo, forçando-a a abandonar o sensível pelo inteligível.

O Mito da Caverna nos ensina algo mais, afirma o filósofo alemão Martin Heidegger, num ensaio intitulado "A doutrina de Platão sobre a verdade", que interpreta o Mito como exposição platônica do conceito da verdade. Deste ensaio, destacamos alguns aspectos:

1) O Mito da Caverna estabelece uma relação interna ou intrínseca entre a paidéia e a alétheia: a filosofia é educação ou pedagogia para a verdade. O Mito propõe uma analogia entre os olhos do corpo e os olhos do espírito quando passam da obscuridade à luz: assim como os primeiros ficam ofuscados pela luminosidade do Sol, assim também o espírito sofre um ofuscamento no primeiro contato com a luz da idéia do Bem que ilumina o mundo das idéias. A trajetória do prisioneiro descreve a essência do homem (um ser dotado de corpo e alma) e sua destinação verdadeira (o conhecimento das idéias). Esta destinação é seu destino: o homem está destinado à razão e à verdade. Por que, então, a maioria permanece prisioneira da caverna? Porque a alma não recebe a paidéia adequada à destinação humana. Assim, a paidéia, alegoricamente descrita no mito, é "uma conversão no olhar", isto é, a mudança na direção de nosso pensamento, que, deixando de olhar as sombras (pensar sobre as coisas sensíveis), passa a olhar as coisas verdadeiras (pensar nas idéias). E, observa Heidegger, não foi por acaso que Platão escolheu a palavra eîdos para designar as idéias ou formas inteligíveis, pois eîdos significa: figura e forma visíveis. O eîdos é o que o olho do espírito, educado, torna-se capaz de ver.

2) O Mito da Caverna recupera o antigo sentido da alétheia como não-esquecimento e não-ocultamento da realidade. Alétheia é o que foi arrancado do esquecimento e do ocultamento, fazendo-se visível para o espírito, embora invisível para o corpo. A verdade é uma visão, visão da idéia, do que está plenamente visível para a inteligência e, por ser visão plena, a verdade é evidência.

3) A idéia do Bem, correspondente ao Sol, não só ilumina todas as outras, isto é, torna todas as outras visíveis para o olho do espírito, mas é também a idéia suprema, tanto porque é a visibilidade plena quanto porque é a causa da visibilidade de todo o mundo inteligível. A filosofia, conhecimento da verdade, é conhecimento da idéia do Bem, princípio incondicionado de todas as essências. Assim como o Sol permite aos olhos ver, assim o Bem permite à alma conhecer. A luz é a meditação entre aquele que conhece e o aquilo que se conhece.

4) O Mito possui ainda um outro sentido pelo qual compreendemos por que Platão é o inventor da razão ocidental. De fato, na origem (como vimos em nosso primeiro capítulo), 
a palavra alétheia é uma palavra negativa (a - létheia), significando o não esquecido, não escondido. Com o Mito da Caverna, porém, a verdade, tornando-se evidência ou visibilidade plena e total, faz com que a alétheia perca o antigo sentido negativo e ganhe um sentido positivo ou afirmativo. Em lugar de dizermos que o verdadeiro é o não escondido, Platão nos leva a dizer que a verdade é o plenamente visível para o espírito. A verdade deixa de ser o próprio Ser manifestando-se para tornar-se a razão que, pelo olhar intelectual, faz da idéia a essência inteiramente vista e contemplada, sem sombras. A verdade se transfere do Ser para o conhecimento total e pleno da idéia do Bem. Com isto, escreve Heidegger, 
a verdade dependerá, de agora em diante, do olhar correto, isto é, do olhar que olha na direção certa, do olhar exato e rigoroso. Exatidão, rigor, correção são as qualidades e propriedades da razão, no Ocidente. A verdade e a razão são theoría, contemplação das idéias quando aprendemos a dirigir o intelecto na direção certa, isto é, para o conhecimento das essências das coisas.

Platão  Fonte: O Cortiço Filosófico



Publicado por Alimente o cérebro 

O mito da caverna, escrito há quase 2500 anos, também chamada de Alegoria da caverna,foi escrito pelo filósofo Platão, e encontra-se na obra intitulada A República (livro VII).